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quarta-feira, 10 de novembro de 2010

A ÁRVORE

Eu queria meditar, mas, meus olhos teimavam em se fechar apesar de meus esforços para conservá-los abertos. Depois de algumas tentativas a mais para ficar acordado, não resisti e dormi. Aí a paisagem se descortinou diferente: - era um lugar maravilhoso, com cascatas, palmeiras, árvores frondosas, regatos com poços remansosos que mais pareciam verdadeiras piscinas. A gente até podia ver os peixes nadando nas águas límpidas da correnteza...
Os pássaros faziam um autêntico festival de harmonia com seus gorjeios melodiosos. Até os insetos participavam daquele conserto bucólico com seus zumbidos característicos...
Então o meu corpo (seria mesmo o meu corpo ou seria o meu espírito?) levantou-se e saiu caminhando, quase flutuando, pela campina circundante...
Ó Deus! Que beleza!
Não se ouvia o menor ruído que não fosse o dos gorjeios, dos zumbidos, do cascatear das águas, do cricrilar dos grilos...
Caminhei e caminhei...
De repente, ouvi uma voz chamando-me pelo nome. Parei. Olhei em torno e... Nada! Recomecei a andar. A voz chamou-me novamente. Pesquisei com os olhos a redondeza para verificar se ali existia alguém escondido. Nada! Nem uma vivalma!
Então a voz soou à minha direita, chamando-me. Não, Deus dos Céus, não havia ninguém! Novo chamado. Aí, então, localizei de onde procedia a voz: - era de uma árvore frondosa. Aproximei-me pensando que alguém se escondera atrás de seu tronco para brincar comigo... Assim, dei a volta ao redor da árvore e... Nada! Ninguém estava ali! Os meus pensamentos tumultuaram. Seria uma entidade de outra esfera que desejava comunicar-se comigo? Então, a voz esclareceu-me:
- Não, não sou um espírito. Sou eu mesmo, a árvore!...
- Como?! Uma árvore que fala?!
- Por que o espanto? Quantas vezes já lhe falei, na voz do vento, no canto dos pássaros...
Intrigado com o inesperado, pensei:  - Como pode ser? Será que estou sonhando ou estou ficando louco?...
- Ficando louco, não!
- Então é um sonho, disse aliviado.
- Sim. Mais ou menos. Porque neste sonho, por mais contraditório que lhe pareça, você vive a verdadeira realidade em que as coisas de Deus têm a vida que Ele lhes deu.
Ante tão firme resposta, aventurei:
- Bem, em que posso então auxiliá-la?
- Auxiliar-me?! Que pretensão! Você é que precisa de ajuda.
- Eu?!
- Sim. Veja: - você veio a este campo para meditar. No entanto, nem mesmo uma ligeira prece você fez. No silêncio, você dormiu e não viu a beleza dos arredores... Não escutou o canto da brisa... Não ouviu a melodia do farfalhar das folhas... Não sentiu o aroma das flores... Não viu o trabalho das abelhas nem o murmúrio das águas entoando hinos de louvor a Deus, nem o gorjeio dos pássaros... Você precisa ouvir e entender a Natureza porque assim você pode compreender a beleza da Criação. Agora, meu amigo, acorde e olhe à sua a volta...
Meus olhos se abriram e então pude ver a beleza exuberante da paisagem com seus adornos floridos... A brisa... O cascatear das águas... O canto dos pássaros... As luzes multicolores filtrando pela ramagem...
A árvore falante, balançado seus galhos e folhas, parecia aplaudir o espetáculo maravilhoso...
Foi um sonho? Não sei... Quem o sabe?!

Urbano França Canôas

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

BRINQUEDO QUEBRADO


Eu não sabia, na realidade, qual era o meu desejo. No meu íntimo, aquela sensação esquisita de insatisfação. Nada estava bom. Faltava-me alguma coisa que eu não sabia bem definir o que era.
Procurei a resposta no alimento: - não era exatamente o que eu queria. A bebida não me atraia. A leitura muito menos.
O quê seria?
O convívio com os familiares era-me muito agradável, mas, não preenchia ainda aquela ânsia interna,
A prece, a procura da afinidade com o outro Plano, dava-me um refrigério, no entanto, não chegava à plenitude do anseio.
As luzes, o brilho da cidade, o som das músicas e dos hinos, tão comuns na época do Natal, como que aumentavam aquele vazio que sentia em minha alma...
Recolhi-me no meu interior, buscando a resposta que o meu coração pedia...
Então, os pensamentos voaram. As folhas do calendário sobre a minha mesa foram virando pra trás... Para trás... Cada vez mais para trás...
Surgiu, então, na tela da minha retina, um menino meio-desengonçado, calças curtas, camisa para fora do cinto (cinto?! Teria ele mesmo um cinto ou seria apenas um cordão amarrado na cintura?); cabelos despenteados; nariz um tanto limpo e tanto sujo; olhos assustados...
Quem seria aquela criança?
Firmei o meu pensamento naquela figura. O filme da memória, retido há tanto tempo na câmara escura do meu inconsciente, revelou-me que o menino estava triste, porque no chão, a seus pés, estava um brinquedo quebrado... Era uma piorra, uma espécie de pião musical, que ele havia recebido como presente de Natal. A quebra do brinquedo era a desilusão de um sonho mal começado... Era a sua primeira desilusão!...
Procurei outros detalhes do menino: - outros traços fisionômicos. Quem seria ele?
As cores do passado, as formas, a paisagem... Então – ó Deus! – reconheci-me na desilusão do menino! Era a minha própria imagem que, há tantos anos, chorou pelo seu brinquedo quebrado!...

Urbano França Canôas

63 Anos


Você, meu amor, nunca foi boa de contas.
Você, às vezes, tem dificuldade até de somar 2 + 2...
Então, como você poderá calcular a soma de 63 anos de casados...
Mas, vamos, desta forma, às contas: - são fora os anos bissextos que têm um dia a mais, vamos ver as contas: - são 22.995 dias, 1.379.700 horas ou 82.772.000 minutos...
Veja você, quanto tempo contamos hoje!
Desses números, quantas alegrias tivemos... Quantas tristezas...
Mas, meu amor, eu só conto os 82.772.000 minutos que nós estivemos juntos, amando, sorrindo e sofrendo...
Separo desses minutos só as alegrias e deixo prá lá as tristezas, pois elas são tão passageiras...
Espero segundo a vontade de Deus Pai, daqui prá diante, só contar os momentos de alegria...
E o seu presente?
Ah! O seu presente... Acho que ele se perdeu naqueles números tão grandes, mas bem pequenos para o meu coração, onde tem morado sempre e sempre estarei contando as horas felizes de hoje em diante...
Beijo-a, com amor, minha querida.

Urbano França Canôas